Um reclame chamou atenção na última segunda-feira, 23, no intervalo comercial da entrevista do governador do Maranhão, Flavio Dino, no Roda Viva. A TV Cultura exibiu um vídeo promocional de um minuto do governo do estado de São Paulo exaltando, com estética à moda Tropa de Elite, ou Miami Vice – mas sem lancha, areia ou palmeira -, a polícia do estado de São Paulo.
A TV Cultura é mantida pela Fundação Padre Anchieta, que é mantida pelo governo paulista.
O vídeo alterna imagens e sons de policiais dando tiros de fuzil com dados da polícia paulista sob o comando de João Doria, como “55 megaoperações”, “1.700 novas viaturas”, “107 toneladas de drogas apreendidas” e “130 mil prisões efetuadas”. No fim, uma lacração: “uma polícia de respeito para um estado de respeito”.
Um “estado de respeito” é o slogan do governo Doria no estado de São Paulo. Trata-se de um claro trocadilho – troca mesmo, opção de um em vez do outro – com “Estado de Direito”.
O vídeo foi publicado no dia 21 de setembro no canal da Segurança Pública do estado de São Paulo no Youtube, e está sendo veiculado na TV desde o último domingo, 22. Na última terça-feira, 24, apenas horas depois do Roda Viva, o portal UOL publicou um levantamento feito com base em dados do Instituto Sou da Paz mostrando que entre janeiro e junho deste ano a “polícia de respeito” do estado de São Paulo foi responsável por uma em cada três mortes violentas na capital paulista.
O governo de São Paulo gosta mesmo de trocadilhos. O nome do secretário de Comunicação de João Dória? O nome é Mata, Cléber Mata. João, também.
Rota mata um, dois, três, 4, 6, 11
Um outro vídeo, mais longo, de 8 minutos, foi publicado nesta quarta no canal da Polícia Militar de São Paulo no YouTube. Com cabos, soldados e oficiais impecavelmente fardados, o vídeo tem legendas em inglês. Quando a “lieutenant” Cintia aparece dizendo que a mais importante função da PM de São Paulo é “preservar a vida de qualquer pessoa”, ficou assim:

Na versão estendida, na única cena em que um pessoa aparece sendo algemada, o ator é negro. Na parte sobre o Fotocrim, “modern planning and management tool” da PMESP, aparece a ficha criminal de um sujeito onde se pode ler “vulgo: chocolate”.
No vídeo que está sendo veiculado na TV, o último dado apresentado no vídeo é este: “quatro novos batalhões especiais de polícia no padrão Rota”. Rota: Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, a “tropa de elite” da Polícia Militar de São Paulo que aterroriza as periferias da capital e interior paulistas.
O noticiário de 2019 sobre a Rota é que “Rota mata um”, “Rota mata dois”, “Rota mata três”, “Rota mata 4”, “Rota mata seis”, “Rota mata 11”.
What’s the difference?
Os policiais da Rota que no dia 4 de abril mataram 11 em Guararema – mesmo número de pessoas mortas pela polícia da Alemanha em todo o ano de 2018 – ganharam de João Doria o certificado “Policial nota 10”. Quatro dos mortos em Guararema foram baleados com tiros disparados a poucos centímetros de distância. Foram executados. Nota 10!
Ainda assim, a Folha de S.Paulo desta quinta-feira, 26, diz que a campanha da polícia de São Paulo mira “centristas desgostosos com a violência policial”, e que Dória, presidenciável, “busca se diferenciar de Bolsonaro e Witzel em tema caro a conservadores”.
Se diferenciar? É claro que alguma diferença há entre o genocídio em curso no Rio e a política de “execuções nota 10” em São Paulo, porque as coisas têm sempre alguma diferença e gradações. Mas é como já disse Frank Costello, personagem de Jack Nicholson em “Os Infiltrados”, de Martin Scorcese: “when you’re facing a loaded gun, what’s the difference?”.